A Diversão do Medo

“O medo é a emoção mais antiga e poderosa da humanidade”
H.P. Lovecraft



Eu sempre assisti filmes de terror quando criança. Eu e meus primos íamos a uma locadora, escolhíamos um ou dois para o final de semana e, entre gargalhadas e sustos, morríamos de medo. Naquela época não havia muita fiscalização e os donos das locadoras não se importavam se você tinha ou não dezoito anos, contanto que pagasse e devolvesse a fita em dia. O terror acabou se tornando parte da minha vida, pois além dos filmes sempre tive pesadelos terríveis. Também tenho paralisia noturna e quem conhece sabe que pode ser bem aterrorizante. Não estou reclamando. Para falar a verdade eu já me acostumei. Ao menos uma vez a cada mês eu acordo gritando. É revigorante de certa forma.
Livros de terror, como qualquer livro, existem, a princípio para diversão, mas o objetivo deles é fazer com que você se divirta sentindo medo.  Alguns podem achar isso um tanto paradoxal. Não é, acreditem. É muito divertido sentir medo. Por que outro motivo você vai à montanha russa ou se joga em queda livre num bungee jump? Aquele frio na barriga, um misto de adrenalina e medo, é um prazer cada vez mais perseguido.
Ao contrário da maioria das obras de literatura, livros de terror não possuem um padrão definido. Nada de jornada do herói por aqui. O mocinho pode morrer prematuramente, pois o verdadeiro protagonista nesta história possui dentes afiados e garras ou carrega uma faca do tamanho de um remo ou simplesmente é um multidão faminta de passos trôpegos. Não espere por grandes lições, evoluções complexas de personagens (embora possa acontecer) e nem redenções. Em obras de terror, os vilões não costumam desistir e essa é uma grande vantagem deste tipo de literatura. É muito mais difícil prever o desenrolar da história e o seu final.
Isto porque o principal objetivo no autor é fazer com que o leitor sinta medo e ele não poupará esforços, e nem personagens para que isso aconteça. Muito antes de George R.R Martin, escritores deste estilo já sacrificaram toda sua estrutura de enredo, apenas para chocar e aterrorizar. Esse gênero carrega o estigma de possuir os “plot twists” mais fantásticos e, porque não, os mais decepcionantes. Não espere por finais felizes. Espere apenas sentir medo.
Lovecraft criou todo um cenário baseado no terror, onde sua sanidade se mantém pendurada num abismo por um único dedo. Suas histórias viraram quase que um pano de fundo obrigatório para muitos autores e contos macabros. Em obras lovecraftianas, os personagens só podem esperar fugir de aberrações monstruosas e deuses esquecidos, torcendo por que reste um resquício de suas personalidades.  São livros e contos altamente recomendáveis tanto para escritores quanto para leitores iniciarem no gênero.
Afinal de contas porque é tão divertido sentir medo? Stephen King, em sua obra Dança Macabra, discorre brilhantemente sobre a evolução do terror na historia e sua importância na literatura de forma geral. É fato que o consumo deste tipo de material cresceu muito durante a segunda guerra mundial. As pessoas morriam de medo das bombas que cairiam do céu, ceifando suas vidas. De repente, ficar as voltas com vampiros, lobisomens e demônios, pareceu bem confortável. É engraçado, mas, diante do terror real de perderem suas vidas subitamente ou de uma invasão do país inimigo, as forças do sobrenatural foram quase como um consolo. Os filmes de terror B lotaram os cinemas e as revistas que publicavam contos de terror nunca foram tão famosas quanto naquela época.
É claro que o terror não se trata apenas do sobrenatural. Um serial killer ou um vírus silencioso pode ser tão assustador quanto dormir e sonhar com o Freddy Krueger (esqueça Freddy x Jason, por favor, se quiser se assustar, assista aos primeiros filmes). Este terror mais palpável pode até ser mais assustador. É mais intrínseco a todos nós. Podemos realmente ser vítimas dele.
Mas e se o sobrenatural fosse real? Se os mortos se erguessem de suas tumbas? Se começassem a aparecer corpos drenados, sem uma gota de sangue? Vislumbres de criaturas artrópodes do tamanho de seres humanos? Um ronronar maligno, no subterrâneo de uma cidade, indicando que algo está prestes a despertar? Nada disso lhe daria um horror paralisante? Em suma, você acha que ler livros de terror não dá medo?
Se você respondeu que não, eu explico o porquê da sua resposta. Você respondeu que não porque, agora, enquanto lê, está claro e o mundo está seguro. Você disse não, porque tem alguém próximo, ou muitas pessoas, é um lugar público e não há o que temer. Sua resposta é baseada em suas muitas certezas e em poucas dúvidas. Você disse que não porque, no final das contas, sabe que o sobrenatural não existe.
Será?
Tente responder a pergunta novamente, sozinho em casa. É noite e o poste do bairro estourou. Você tem apenas duas velas como fonte de iluminação e 10% da bateria do seu celular. Há barulhos de passos no andar inferior da sua casa ou ao menos foi o que você pensou ter ouvido. Um estalo no telhado chama sua atenção. Sons estranhos ecoam do interior das paredes. Pode ser apenas a casa assentando, os canos balançando com a pressão da água. Mas pode ser outra coisa. Você se aproxima dos primeiros degraus e há vultos na escuridão que adensa a sua volta.  Numa situação normal, você se assustaria, mas não ficaria realmente preocupado. Agora se o sobrenatural existisse tudo seria diferente.
Porque basta apenas um monstro para quebrar o paradigma. E quando isto acontecer não haverá mais certezas. Não haverá mais dúvidas. Haverá apenas o medo.
Seja bem vindo a ele.


Lucas Fernandes

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