É tudo uma questão de Expectativa

O que um livro precisa realmente para ser bom? Difícil dizer. O fato é que existem muitas respostas para essa pergunta e elas irão mudar dependendo de quem as responde. Umas das formulas mais usadas atualmente é a Jornada do Herói, mas livros como os do George R.R. Martin e séries estilo Walking Dead nos mostram que há outras formas de contar uma jornada, muitas vezes com tons mais cinzas e menos certezas.
Existe um fator comum, entretanto, presente em toda história de sucesso. Expectativa. Sim, é disso que se trata. Porque quando você consegue criar expectativa no seu leitor você o tem preso as paginas do seu livro e, ainda que ele não esteja gostando do que lê, vai querer terminar a história. Para as fãs da já citada série de Zumbis deve ter sido um martírio esperar para saber quem afinal de contas ia receber a Lucille na cabeça.
É logico que quando se trata de livros o leitor pode trapacear. Folhear até a última pagina e descobrir o assassino. Dar aquela espiadinha nos capítulos seguintes para ver se o protagonista ainda permanece vivo, mesmo após aquela emboscada fatal. Perguntar para um amigo que já terminou de ler a obra, se afinal de contas o casal termina a história juntos. Quando um autor consegue criar muita expectativa em seu público, ele terá leitores vorazes e trapaceiros ao mesmo tempo, o que o é muito bom. Existe, entretanto, uma forma de romance não muito utilizada na qual não é possível trapacear.
Os romances seriados.
Assim como em uma série de TV você lê a primeira parte do livro e só vai conseguir ler a continuação na semana que vem. Pode ser até no mês que vem dependendo da periodicidade. Não é a mesma situação que esperar a continuação do seu livro favorito. Pense em Harry Potter e a Pedra Filosofal. Caso ele tivesse sido escrito em formato seriado, você não esperaria em torno de um ano pela Câmara Secreta, e sim semana a semana, mês a mês, pelos capítulos do primeiro livro. Quer imaginar uma cena angustiante? Pegue seu livro favorito, aquele que foi lido em dois ou três dias de tão fantástico. Agora parta ele em quatro ou cinco partes. Se for um livro grande, parta ele em dez. Divida ele bem nos capítulos em que terminar, traria mais expectativa. Pronto, temos um romance seriado torturante.
Muitos não sabem mais a Espera de Um Milagre, de Stephen King, foi escrito em formato seriado e só depois relançado como um livro completo. Para quem leu o livro ou viu o filme, sabe que é uma trama bem elaborada. Poder apreciá-lo de uma vez é uma refeição completa, mas ter podido lê-lo em porções, de forma racionada, com certeza faria com que você apreciasse ainda mais a obra.
E adivinhe? Aqui você não pode pular para as paginas finais. Elas simplesmente não existem ainda. Muito provavelmente o autor sequer as escreveu. Em romances assim, o próprio escritor fende a trama, liberando elas aos poucos. Por óbvio que ele possui um panorama geral, inicio, meio e fim, mas quem escreve sabe que quando passamos para o papel acaba tomando outro formato. Romances seriados podem ser torturantes neste sentido, pois possuem prazos apertados para quem escreve, revisa e edita. Talvez por isso não sejam tão comuns e nem economicamente viáveis. A Espera de Um Milagre foi publicado originalmente em fascículos de capa mole e deve ter tido um preço bem camarada.
Dickens era um autor clássico conhecido por publicar muitos romances seriados, inseridos em suplementos de revistas ou na forma de pequenos livros populares. Seus fascículos possuíam imensa fama e havia grande furor pela espera das continuações. Não acredita que um livro escrito dessa forma pode gerar expectativa? Pense de novo. O fascículo final de A Loja de Antiguidades de Dickens lotou o porto de Baltimore com vários leitores vorazes aguardando a chegada do navio que traria a obra. A história nos informa que muitos desses potenciais leitores foram empurrados para água, tendo se afogado. Esse é o grande poder do romance seriado. Expectativa em larga escala. Nada recomendável para pessoas ansiosas.
Recentemente eu joguei um jogo de vídeo game feito no formato seriado. Embora não seja da Telltale (empresa especializada em jogos assim, todos de ótima qualidade), o jogo me surpreendeu, pois ao final de cada capitulo eu ficava ávido para jogar o seguinte. Os capítulos sempre terminavam em pontos chave da trama. Felizmente ou infelizmente, eu tinha o jogo completo, pois só fui adquiri-lo meses após seu lançamento então não pude experimentar a expectativa desse tipo de obra por completo, mas esperar o dia seguinte era torturante, imagino o que seria esperar uma semana ou um mês. Para aqueles que quiserem saber o jogo chama-se Life is Strange, foi lançado para praticamente todas as plataformas (ps3,ps4,Xbox 360, Xbox one, PC) e possui cinco capítulos. A proposito o primeiro capitulo é de graça. Tente não comprar os outros quatro.
Eu mestro RPG praticamente todas sextas feiras e, na medida do possível, sempre tento terminar as aventuras em pontos chaves da trama, deixando expectativa para a próxima sessão. É um recurso utilizado com frequência, seja em séries, revistas em quadrinhos ou livros. Em séries de TV, até a pausa para o comercial acontece em momentos que gerem expectativa.

Talvez não tenhamos muitos exemplos de romances seriados, mas estamos cercados por esta forma de narrativa por todos os lados, histórias fragmentadas que acompanhamos esperando que alcancem nossas expectativas. Afinal, não nos importamos de nos acotovelar no porto ou de sermos empurrados em direção à água (sem afogamentos de preferência), se a espera valer a pena.
Lucas Fernandes

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